Ao chegar esta noite,
Tudo pára.
Os olhares, finalmente se encontram,
Amendontrados e esperançosos,
Cansados, desafiados, mas confiantes.
Com as mãos sobre a lareira para diminuir o frio,
E agachados em frente à fogueira
ouvindo o cantar dos grilos nas florestas.
Nas casas cheias de cores e luzes
E nas ruas cinzas e grafitadas.
Nos barcos e nos portos,
Nos aviões e nas torres de comando,
Nos telescópios e nas estações espaciais,
Nos hospitais,
Nos leitos de terapia intensiva
E nos leitos das iminentes mães,
Alguns aguardando o despertar na vida terrena
e outros, o desembarcar na vida eterna.
Sozinhos, melancólicos
Em família e entre desconhecidos,
No trabalho que não parou,
No descanso do que acabou de atravessar a fronteira fugindo,
Nos esconderijos e campos de guerra,
Atrás das grades das prisões,
Todos estão olhando
para a Estrela do Oriente.
Mesmo os que não acreditam
Pensam “e se for tudo verdade?”
“E se o que dizem ser o Próprio Amor
Decidiu ser um de nós?”
Quem não espera pelo momento
em que a dúvida
Se transformará em certeza?
Nesta noite,
não somos os mesmos de sempre.
Torcemos para que tudo
Seja belo e verdadeiro
Como, no fundo, as nossas almas
Nos dizem que é.
Se não fosse o Pleno Amor possível,
não teriam sentido os nossos esforços.
Penamos, mas esperamos.
Então, olhamos todos juntos
Para todos os cantos dos céus
Nessa noite que transcende
Os séculos e os povos
Como se reuniram os nossos avós,
E antes, os primeiros Sapiens,
olhando nos olhos dos Neanderthais.
Mesmo antes de conseguirem falar,
Os olhos já brilhavam e as mãos se encontravam,
Esperando que a Verdade
Fosse aos olhos revelada.
Mas muitas gerações passaram
ainda sem conhecê-Lo.
Nesta noite,
nenhuma voz se ouve
E na mais completa escuridão,
Uma luz se abre nos céus
Vinda da humilde estrebaria.
Nós caímos no chão,
E depois do som pesado e irreconhecível,
O silêncio corta todos os lugares.
Todos os pássaros
voam para longe
Mesmo durante a densa noite.
Passam segundos que parecem horas,
Até finalmente, ouvirmos um som.
Uma criança chora lá longe.
Chora como choram
Os nossos filhos pela primeira vez.
Os anjos se enfileiram em coro,
flautas e harpas em mãos,
Chamam os pastores a se juntar
Aos magos que não se aguentaram
de contentamento por, finalmente,
Encontrar o Astro-Rei
E andaram tanto,
como até hoje andam
Os andarilhos buscadores de si próprios.
Quando chegam,
se deparam com o incrível
e enchem os olhos.
A criança que viu o mundo ser feito,
Chora e é acolhida
Nos braços de sua mãe.
A mãe O olha nos olhos,
Embrulhado nos panos dos animais,
E a alma dela sabe
que aquela é uma cena
que já aconteceu
antes mesmo de o mundo ser mundo.
Mas é humano este momento,
O pai chora, ajoelhado, a louvar
Abraçado às pernas da mãe que amamenta,
Àquele lindo altar.
Todos olham e se perguntam
“como pode
O Amor fazer nascer a Si mesmo?”
Não sabemos, mas vibramos.
É meia-noite.
As flores se abrem em todos os lugares.
Há luzes cortando a noite escura
até nos confins do mundo.
Milhões de anjos por todo lugar.
O médico abraça os pacientes,
Os pacientes se olham nos olhos,
Os moribundos sorridentes,
Os recém-nascidos não mais choram.
Os soldados largam as armas e se abraçam.
Os que se odiavam, agora, agarram
um no rosto do outro
e se pegam vendo nestes olhos
Que só há sentido para o Amor.
A luz forte da estrebaria
Agora sai de todos os corações.
Atravessam os telhados rumo aos céus
Dos casebres de barro e madeira,
Dos condomínios e grandes mansões.
Todos sabem que estão juntos.
Todos sabem que o caminho é um só.
De alguma forma sabem.
Mas a criança não diz nada,
Só sorri na manjedoura.
Então, como pode todos saberem
com tanta certeza
o que diz o olhar
de uma criança pobre
Deitada ali, sem fralda nem nada
No meio dos jegues e dos bois?
Os padres se abraçam na sacristia,
E também os presos nas prisões.
As freiras beijam fraternalmente
os rostos umas das outras,
As prostitutas se dão as mãos
e choram com gratidão.
Os sem-teto sabem que chegou a hora
De regressarem ao lar.
Vem a saudade dos parentes
Que ao lhes verem no portão,
Correm com o coração abrasado
Que abraço apertado!
A fala embargada,
Sem nenhum jeito, nem mais vergonha,
Já era a hora, aquele é o seu lugar.
Os órfãos todos juntos à janela,
Os imigrantes e as viúvas
Brindam e soltam fogos de artifício.
Nasceu aquele que garante a todos
Que filhos bem-aventurados são.
O menino Jesus olha para a mãe
Mais piedosa, impossível
A luz que deles sai continua
A viajar pelo mundo
como uma Super Aurora Boreal.
Abraçam-se os cientistas
nos laboratórios,
Embasbacam-se os filósofos,
Nem sabem por que brindam os ateus,
Os ônibus e trens param
Para os motoristas e cobradores
Abraçarem os seus.
Neste instante,
Nesta breve degustação da Eternidade,
Neste instante em que os olhos se abrem, em que as almas
sentem que não são daqui,
Neste instante que elas desejam
que não passe de jeito nenhum,
Pois sabem que é único e transcendente,
mágico e atemporal,
Neste momento em que elas tocam as mãos de quem não está mais aqui,
Neste momento em que elas percebem que mais uma vez abriu-se um portal,
Neste momento,
em que elas sorriem sem explicação,
Em que José, Maria e Jesus
Estão abraçados no meio do estábulo.
Neste momento,
Não há diferenças,
Não há medos,
Não há julgamentos,
Não há ódio,
Não há guerra,
Não há vontade de riquezas,
Não há graça nas classes sociais.
Há sentido para uma nova política,
há sentido completo na ciência e na arte
E em toda a mais indecifrável filosofia.
Ninguém sabe explicar
mas todo mundo sente.
Faz sentido amar.
Derrubar os muros e paredes.
Despir-se de tudo para vestir os irmãos.
Dar tudo de si para curar os doentes,
Apoiar os necessitados,
os próximos e os mais distantes,
Imigrantes, órfãos e viúvos.
Tudo o que é importante,
Por este breve momento do tempo,
se conecta.
Há uma fagulha da Verdade do Amor
em cada coração.
A sabedoria dos séculos ali está,
dentro deste estábulo,
ouvindo uma terna cantiga de ninar.
Que cantiga poderosa,
Que mágica que nenhuma ficção
sequer sonha em conseguir imitar.
A madrugada já corre solta,
Os magos entoam salmos
Com os pastores e as famílias
esparramados no gramado,
alguns já adormecidos,
outros ainda se põem a cantar.
Uma menina, séculos depois,
já depois da meia-noite,
não tem sono,
deixa o prato com as guloseimas,
abandona os presentes pelo chão.
Olha pela janela e vê o céu estrelado,
se senta na grama com os pastores.
Vê Jesus sorrindo na manjedoura,
Sente a doçura de Maria,
a bravura de José.
Todos os vizinhos acalmados
pelas doces melodias
da flauta doce da menina,
no andar mais alto do arranha-céu.
Noite Feliz.
Ó Senhor,
Deus de amor.
Já nasceu
o Deus-menino
para o nosso bem.